quarta-feira, 18 de maio de 2011

Entrevista ao Sr. Zé Boga


O Sr. José Sequeira Letra conhecido por Zé Boga (todos os Avieiros têm uma alcunha) nasceu no dia 1 de Maio de 1928 na Palhota, foi registado a 7 de Junho em Vieira de Leiria.
É casado, tem cinco filhos.
É filho e neto de Avieiros oriundos da Praia de Vieira de Leiria, considera-se ainda um Avieiro.
“…e eu nasci aqui na Palhota…os meus padrinhos eram de Vieira de Leiria, fui lá baptizado e registado, fui à inspecção na Marinha Grande.”
O Sr. José Boga falou ao Curso EFA de uma vida difícil numa longa entrevista realizada no Centro de Formação da AP-R na Azambuja, no dia 14 de Janeiro de 2011.
EFA Azambuja - O Sr. José é de Vieira de Leiria?
Zé Boga - os nossos antepassados eram de Vieira de Leiria, Praia da Vieira faziam lá a pesca do Verão à sardinha a trabalhar por conta de patrões, a partir de Dezembro vinham para cá (Palhota) e faziam a pesca do sável até Maio, depois voltavam porque tinham de se matricular na capitania, quem não se matriculava não podia pescar. E eu nasci na Palhota... os meus padrinhos eram de Vieira de Leiria, fui lá baptizado e registado, fui à inspecção na Marinha Grande.
EFA Azambuja - Já voltou a Vieira de Leiria?
Zé Boga - Não. Tinha um ano quando os meus pais deixaram de lá ir, só lá foi o meu pai comigo quando fui à inspecção.
EFA Azambuja - Com que idade começou na faina?
Zé Boga - Desde pequeno andava a pescar com o meu pai. O primeiro trabalho que eu fiz, antes de pescar, foi mondar arroz.
EFA Azambuja - Viveu sempre na Palhota?
Zé Boga - Não, vivi na Palhota até aos dez anos. Depois vim morar para  a Casa Branca, ai é que fui criado até casar. Quem construiu a minha casa foi um tipo que morava no Escaroupim.
EFA Azambuja - O Sr. viveu no barco com a sua família?
Zé Boga - O barco era a nossa casa, tanto em novo, solteiro como em casado. As barraquitas eram para ter as coisas pessoais. Trabalhávamos dia e noite dentro do barco. O meu pai dividia os filhos, éramos seis, uns andavam com ele, outros com o meu tio.
EFA Azambuja - Pode-nos explicar basicamente como era construído um barco Avieiro?

Zé Boga - Antão faz-se o fundo e arranja-se as estacas e faz-se os braços, e depois as madeiras, são pintadas com uma tinta preta, os barcos eram todos a remos, demorava aproximadamente um mês a construir. Hoje em dia já não se constrói os barcos em madeira, agora compram-se já feitos em fibra.

EFA Azambuja - Era o senhor que fazia os seus próprios barcos?

Zé Boga - Sim, fui eu que construí o meu próprio barco. Demorou pouco mais de um mês.

EFA Azambuja - A sua esposa ajudava-o na faina?
Zé Boga - Ela era a minha companheira, trabalhávamos dia e noite, de manhã ela vendia o peixe, depois cuidava das crianças, fazia as lides da casa e arranjava as redes.
EFA Azambuja - Vivia no barco com ela e com os seus filhos?

Zé Boga - Sim, quatro dos meus cinco filhos foram criados no barco. Tinha a barraca na Palhota mas sempre vivi no barco.

EFA Azambuja - Quais as peixes que se pescavam com mais abundância? O que se pesca hoje?

Zé Boga - Pescava-se com mais abundância: o sável, lampreia, barbo, saboga, enguias, fataça, carpa, camarão do rio. No entanto o sável e a saboga já existe pouco.

EFA Azambuja - Actualmente continuam a existir as mesmas espécies de peixes que antigamente?

Zé Boga - Sim, mas não há quem pratique a pesca, e o peixe do rio é considerado o peixe do pobre e ninguém o compra.

EFA Azambuja - Quais as razões que levavam ao desaparecimento das espécies de peixe?

Zé Boga - A poluição.

EFA Azambuja - E a sua casa era uma casa característica em madeira?

Zé Boga - Sim, era em madeira com estacas em cimento.

EFA Azambuja - Cada família construía a sua casa?

Zé Boga - Algumas, outras davam-nas a construir, a minha mandei-a fazer a um senhor.

EFA Azambuja - A sua esposa também o ajudava na pesca? Quais eram as suas funções?

Zé Boga - Sim, remava enquanto eu pescava e em terra ocupava-se dos filhos, das lides da casa, vendia o peixe e remendava as redes.
“a minha mulher trabalhava mais do que eu…”

EFA Azambuja - Quais foram as maiores dificuldades que encontraram?

Zé Boga - A vida era muito dura, trabalhávamos de dia e de noite. Onde tínhamos mais dificuldade era no inverno, devido às intempéries e geadas que se faziam sentir na altura.

 “A maior prenda que os meus filhos me puderam dar foi eles não se inclinarem para a pesca.”

EFA Azambuja - Fale-nos das tradições e costumes?

Zé Boga - Havia um baile uma vez por mês, vinha um “tocador” e faziam a festa.
Havia casamentos entre si, primos com primos, no caso de Zé Boga casou com a prima.

EFA Azambuja - Qual o prato típico dos Avieiros?

Zé Boga - Alimentação variava, comiam o peixe do rio que não vendiam.
Prato típico era a caldeirada de peixe do rio.

EFA Azambuja -  O que gostava que se fizesse nas aldeias Avieiras?

Zé Boga - Não deixarem acabar a tradição antiga. Se acabarem os pescadores todos, acaba tudo. O palácio devia ser arranjado. O projecto está bem feito, eu até já o ouvi. Mas eles dizem tudo mas não fazem nada. O turismo vinha dar uma grande alma a terra.

EFA Azambuja - Qual a sua opinião sobre os projectos já efectuados pela Câmara Municipal e do Instituto Politécnico para candidatura a património Nacional?

Zé Boga - Conheço o projecto e concordo plenamente com ele e acho que era bom para a zona e para a Vila. “O projecto está bem feito eu até já o ouvi mas eles dizem tudo mas não fazem nada”

EFA Azambuja - O que deveria ser feito?

Zé Boga - Concordo com o que já foi feito a construção da ciclovia entre a praia do Tejo e Valada. Deviam limpar o esteiro está cheio de lixo e construir um cais. Faziam uma barragem para segurar as águas e poder tornar o esteiro navegável para barcos de recreio era bom para a terra e dá-lhe outra alma. No Lezirão deviam construir um cais e recuperar o que ainda lá há.

EFA Azambuja - Concorda com o aproveitamento turístico de todo o projecto e o seu desenvolvimento, nesse âmbito?

Zé Boga - Acho bem até já está a ser feito os passeios no “Varino”, deviam reconstruir o Palácio, porque está uma vergonha dava outra alma à terra e faziam-se passeios bonitos. Antigamente até vinham pessoas de Lisboa, em barcos passar lá os fins-de-semana.

EFA Azambuja - O que vai ser feito?

Zé Boga - Não vai ser feito nada porque a Câmara não tem dinheiro.

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